Fernão Bracher, educador
Fernão Bracher, que faleceu no último dia 11 de fevereiro, foi muito mais do que um banqueiro de sucesso, presidente do Banco Central e fundador do banco BBA. Foi, também, um grande apoiador da cultura; um plantador de florestas de madeira de lei para um futuro que não seria o seu - sempre soube que jamais veria a exuberância da floresta que plantava; um preservador do meio ambiente - há em sua fazenda uma grande área para tratamento e soltura de animais silvestres enviados pelo IBAMA; um cidadão pessoalmente comprometido com a preservação do patrimônio cultural, por meio do restauro da Fazenda Pinhal, aberta à visitação, e da atividade de pesquisa histórica lá desenvolvida.
Foi, principalmente, promotor da educação de qualidade, causa que defendeu com grande empenho, dedicação e entusiasmo nos últimos 20 anos. É desta vertente que vamos tratar neste artigo.
Fernão abraçou a causa da educação quando ainda era presidente do Itaú BBA. Nessa época, já acompanhava de perto as atividades do Instituto Acaia, ONG criada há mais de duas décadas pela família, no entorno do Ceagesp SP, com ação direta na área sócio-educativa, atendendo à população de duas favelas e de um conjunto residencial Cingapura na região da Vila Leopoldina.
No Itaú BBA, decidiu, como presidente, avaliar pessoalmente os projetos de educação apoiados pelo banco, buscando conhecê-los e entendê-los, com o objetivo de melhorar a ajuda a eles prestada. Sempre achava que se podia melhorar. Lia todos os relatórios, anotava suas dúvidas, grifava trechos importantes, enfim, dedicava-se profundamente a compreender a proposta de cada um.
Chamou gestores públicos para conversar e aprender com eles. Aproximou-se de escolas públicas, visitou estados e municípios com o objetivo simples de aprender. Em uma destas visitas, a um município do interior de Sergipe, fez tantas perguntas ao secretário de educação que, ao final, este brincou: "Doutor, o senhor faz mais perguntas que banca de tese!" Este seu "processo de aprendizagem" resultou em uma orientação clara para concentrar os investimentos da área social em educação básica pública, e não mais em projetos pulverizados.
Ao longo dos últimos 20 anos, Fernão Bracher fez de seu inconformismo com as desigualdades educacionais uma marca do seu trabalho junto ao investimento social do Itaú BBA, Instituto Acaia e dos três conselhos dos quais participava: Todos Pela Educação, Parceiros da Educação e Educação Compromisso de São Paulo.
A pergunta de sempre era: como podemos fazer melhor? Este era o seu mantra.
A preocupação com o acesso a uma educação de qualidade pela população mais pobre do país o levava a sempre questionar se estávamos com esse objetivo em mente: educação de qualidade para todos.
Acreditando ser fundamental o apoio às politicas públicas, concentrava sua atenção em duas grandes causas: oferecer melhores condições de trabalho para os professores, por meio de aumento de salário e formação de qualidade; e a formação dos jovens, pela melhora do ensino médio, ensino técnico e elaboração de políticas para o pós-médio, para a juventude.
Formulou precisamente a questão que queria ver respondida: se temos vagas nas universidades para apenas 17% dos jovens, o que oferecemos aos 83%? E isso o motivou para a batalha pela reforma do ensino médio, buscando trazer o ensino técnico para a pauta e pensar a articulação entre os ensinos médio, técnico e superior. Ele foi um ator decisivo nesse processo. Acompanhou de perto as movimentações em torno do tema: os projetos de lei, os substitutivos, a promulgação da lei, a Base Nacional Comum Curricular do ensino médio, a articulação com o CONSED e o apoio aos estados que solicitaram em tudo que fosse possível para que esta pauta avançasse.
Dizia: “É preciso desenvolver uma política para a juventude, criar alternativas para os jovens!" Queria um ensino técnico emancipatório, que levasse os jovens a terem escolha, horizontes, perspectivas de crescimento na vida.
No Acaia, o foco eram as pessoas da comunidade, sobre a realidade local. Trabalhou para que a Sabesp instalasse água e esgoto nas favelas, posicionou-se fortemente a favor da preservação das ZEIS - Zona Especial de Interesse Social, de forma que permanecessem fiéis à sua vocação de atender à população de baixa renda.
Esteve sempre presente no Instituto Acaia, acompanhava e exigia qualidade nos trabalhos, nos relatórios e instrumentos de avaliação. Por meio da presença constante, estabeleceu uma relação próxima com todos. Quando chegava, era sempre rodeado pelas crianças e gostava bastante de conversar com elas, saber o que pensavam. Fazia um acompanhamento rigoroso das avaliações dos alunos. Queria sempre saber o que estavam aprendendo, se de fato estavam aprendendo e, claro, como a avaliação era feita (“Como vocês sabem que eles aprenderam de verdade?” era a pergunta frequente). Questionava tudo e testava a solidez, inclusive da nossa vontade de fazer. Se fosse para fazer, tínhamos que querer com muita firmeza e estarmos dispostas a buscar melhorar permanentemente.
Sua preocupação central sempre foi com os alunos, com a aprendizagem. E também com os professores. Fernão foi um mestre, como define Mallarmé em um de seus poemas: aquele que nos guia na travessia das incertezas. Mais que apenas conduzir, Fernão nos questionava, testava a consistência das argumentações, a força do desejo e, então, convencido de que estávamos preparadas, fazia a travessia conosco.
Dizia que o conhecimento não pode ficar enclausurado, nem envaidecer, precisa ser compartilhado. Os mestres, portanto, precisam ser generosos e ter a crença de que o saber, posto à prova, se fortalece e se multiplica. Este era o Fernão.
Mais ainda. Embora mestre, Fernão não tinha o menor constrangimento em ser aprendiz. Colocava-se atento e disponível para o desconhecido, desejoso de ser convencido se estivesse equivocado.
Fernão tinha clareza sobre o que queria e discernimento para escolher os caminhos. Queria que a educação melhorasse, queria um mundo melhor, mas tinha que ser para todos. E trabalhou com firmeza para isso. Ele defendeu com dedicação a causa da educação, fez uma grande diferença, deixa um legado significativo e a inspiração para que possamos seguir.
*Ana Cristina Cintra, diretora do Instituto Acaia, e Ana Inoue, assessora de educação do Itaú BBA.
Artigo publicado no perfil do LinkedIn da Ana Inoue em 13/03/2019.